A condição das pessoas com necessidades especiais representa um desafio histórico para a educação. Os métodos empregados ao longo dos séculos para lidar com deficiências físicas e mentais foram diversos e passaram por diferentes concepções. A educação especial, como a conhecemos hoje, demorou a se consolidar. Conforme Bianchetti (1995), em tempos pré-históricos, aqueles que não conseguiam se adaptar às atividades essenciais de sobrevivência, como caça e coleta, eram marginalizados por sua comunidade. Já na sociedade espartana, existia uma prática de eugenia extrema, na qual recém-nascidos com qualquer tipo de deficiência eram sacrificados.

Mesmo com o avanço das ciências, persistiram concepções fatalistas sobre as pessoas com necessidades especiais, resultando em sua segregação. Para cientistas como Pinel e Foderé, esses indivíduos apresentavam condições inatas irreversíveis, com poucas chances de progresso (BIANCHETTI, 1995; PESSOTTI, 1984). Somente mais tarde, no início do século XIX, a educação especial começou a ser concebida de forma mais sistemática. Nesse período, predominava a abordagem da “medicina moral”, que acreditava que o aprendizado poderia ser promovido por meio da redução de punições e da implementação de um programa educativo focado na criação de hábitos compensatórios (FERREIRA, 1995).

O relato do tratamento do selvagem de Aveyron por Jean Itard é um exemplo emblemático dessa concepção de educação especial. Itard introduziu técnicas e métodos que, mesmo décadas depois, ainda seriam considerados avançados (PESSOTTI, 1984). Entretanto, no final do século XIX, ocorreu um retrocesso, com a institucionalização de pessoas com deficiência e a influência do movimento eugênico na educação especial (FERREIRA, 1995).

Atualmente, houve uma evolução significativa na forma como a deficiência e a excepcionalidade são compreendidas, sendo contextualizadas dentro das interações sociais e do ambiente em que a pessoa está inserida (OMOTE, 1993). No entanto, não há consenso absoluto sobre qual abordagem deve ser adotada no ensino de indivíduos com deficiência, nem sobre quais métodos são mais eficazes para garantir o máximo desenvolvimento de seu potencial e sua inclusão na sociedade. Assim, a constante avaliação e revisão de práticas e concepções tornam-se fundamentais para garantir que as abordagens utilizadas na educação especial sejam válidas e fundamentadas em conhecimento científico.

Neste contexto, o presente texto tem o objetivo de explorar as características, contribuições e limitações de um método específico utilizado na educação especial: o método Doman-Delacato (DOMAN, 1980; VERAS, 1989). Além de analisar essa abordagem, o texto também amplia a discussão sobre o uso de métodos controversos na educação especial, destacando a relação entre ciência e práticas pedagógicas.

O método Doman-Delacato foi desenvolvido entre as décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos, pelos pesquisadores Glenn Doman e Carl Delacato, no Institute for the Achievement of Human Potential (Instituto para o Desenvolvimento do Potencial Humano), localizado na Filadélfia. No Brasil, a abordagem é aplicada pelo Centro de Reabilitação Nossa Senhora da Glória, no Rio de Janeiro, fundado em 1959. Além disso, há instituições que utilizam esse método ou variantes dele em países como Dinamarca, Itália, Japão, México e Espanha.

O método Doman-Delacato é voltado para a educação de crianças com lesão cerebral, pois se acredita que, devido à plasticidade cerebral infantil, há um maior potencial de recuperação em comparação a indivíduos mais velhos. O conceito de “lesão cerebral” adotado pelo Instituto é amplo, incluindo condições como paralisia cerebral, transtornos do espectro autista, dislexia e síndrome de Down, entre outras. Assim, ao buscar superar as dificuldades dessas crianças, esse método pode ser compreendido como uma abordagem dentro da educação especial (DOMAN, 1980).

O embasamento teórico do método se concentra no princípio da organização neurológica (LEWINN, 1969). Esse princípio sugere que o desenvolvimento das funções cognitivas e motoras superiores depende de uma progressão bem-sucedida pelas etapas iniciais do desenvolvimento neurológico, controladas por diferentes partes do cérebro. Inicialmente, o bulbo raquiano e a medula espinhal desempenham papel fundamental, seguidos pela ponte cerebral, mesencéfalo e, posteriormente, pelo córtex cerebral, até que suas áreas mais avançadas sejam ativadas e o indivíduo desenvolva suas capacidades de forma plena.

A premissa de que a ontogênese recapitula a filogênese, ou seja, que o desenvolvimento do indivíduo reflete a evolução da espécie humana, é um dos alicerces da abordagem de Doman e Delacato. A lesão cerebral, nessa perspectiva, interfere no fluxo de informações sensoriais e motoras, impedindo o desenvolvimento adequado das funções superiores (DOMAN, 1980). No entanto, se forem aplicadas intervenções adequadas para promover a reorganização neurológica, o desenvolvimento pode ser retomado, permitindo que a criança com lesão cerebral melhore significativamente sua condição e, em alguns casos, alcance um nível funcional próximo ao normal.

Para avaliar as crianças, foi criado o Perfil de Desenvolvimento, que estrutura o desenvolvimento humano em sete estágios neurológicos distintos, cada um associado a diferentes partes do sistema nervoso. Além disso, o método avalia seis capacidades essenciais, divididas entre sensoriais (visão, audição e tato) e motoras (mobilidade, linguagem e habilidade manual). Segundo Doman e Delacato, habilidades como leitura, compreensão, locomoção, fala e escrita são estágios mais avançados dessas capacidades fundamentais.

Os profissionais que utilizam esse método analisam o nível de desenvolvimento de cada criança nessas capacidades para determinar seu estágio neurológico. Com base nessa avaliação, é elaborado um programa de atividades personalizadas, que visa estimular as áreas cerebrais deficitárias com maior intensidade, frequência e duração do que as experiências naturais da criança, a fim de promover a superação da deficiência.

A validade do método Doman-Delacato ainda é objeto de debate. Enquanto alguns profissionais consideram que a abordagem apresenta avanços na estimulação do desenvolvimento infantil, outros questionam a ausência de comprovações científicas robustas que sustentem sua eficácia. Além disso, discute-se o uso de práticas controversas na educação especial e a necessidade de um maior alinhamento entre ciência e intervenção pedagógica.

Diante disso, a reflexão contínua sobre metodologias aplicadas na educação especial é essencial para garantir que as estratégias adotadas sejam respaldadas por evidências científicas e contribuam efetivamente para a inclusão e o desenvolvimento das crianças com necessidades especiais.